segunda-feira, outubro 31, 2005

Novo tempo

Por razões várias, impõe-se uma mudança de ares. A nova casa estará pronta nos próximos dias.

E, sim, talvez um dia se demonstre que também este blogue nunca existiu.

P.S.: Como isto não é uma despedida - é um mero até já - os agradecimentos ficam para outra altura.

P.P.S.: Tirando uma valente constipação e uma ligeira depressão conjuntural, não se passa nada de mais com o autor destas linhas.

quarta-feira, outubro 12, 2005

Pouco sério

Um dia demonstrar-se-á que também Portugal não existe; que nunca passou de um ser de ficção, contraditório consigo próprio.

Ficcional

"Senhores do Júri, a quem unicamente de forma aproximada e metafórica posso chamar meus juízes: Vossas Excelências têm a certeza de que este acto, e vós próprios, e eu, temos existência real? Encontramo-nos, segundo parece, em Castroforte do Baralla, capital da província do mesmo nome. Mas, existirá esta cidade? Os senhores devem ter à mão um mapa do país. Mandem-no examinar por um cartógrafo especialista, examinem-no os senhores. Esta província aparece lá? Castroforte aparece? E se não constam no mapa, nem nos manuais escolares, nem nos registos da Administração, como é que é possível que se tenha sublevado? Como é que é possível que eu e estes dignos cavalheiros que me acompanham no banco dos réus tenhamos cometido esse crime cuja figura o senhor Delegado descreveu magistralmente? Para que exista crime, é preciso uma base material. Não só um Quem, mas também um Como e, é claro, um Onde. Ao Quem e ao Como referiu-se o senhor Delegado bastante pormenorizadamente, mas passou por cima do Onde. Mas o Onde tem aqui uma dupla importância. Antes de mais, se Castroforte não existe, também não pode ser palco de um crime e do julgamento em que o crime é sentenciado; mas, além disso, se o crime consiste em ter proclamado a sua independência, como é que, raios, Vossas Excelências querem que se tenha proclamado independente uma cidade que não existe? Assim, não só nos falta o Onde indispensável, mas também o Como ainda mais indispensável. Vejamos agora o Quem. Ou, melhor dizendo, os Quem, porque somos quatro os acusados, criminoso plural, e atrever-me-ia até a dizer que encartado; porque foi aqui citada a Távola Redonda, e sobre ela em conjunto, e sobre os seus membros um a um, se fez recair a responsabilidade. O que é, segundo o processo, a Távola Redonda? Um grupo humano sem consistência jurídica, uma tertúlia sem estatutos e sem bases, isto é, uma coisa sem personalidade. Nestas circunstâncias, como é que se pode cometer um crime? Para se segurar bem, o senhor Juiz que fez a instrução do processo convocou os membros da Távola Redonda. A mim e a estes cavalheiros. Mas os membros da Távola Redonda não são Rafael Ruibal, Ricardo Abraldes, Jacinto Barallobre (que não compareceu), Carmelo Taboada (que também não está presente), José Luís Díaz e Emilio Salgueiro, para vos servir, mas sim Merlim, Tristão, Lançarote, Galvão, Booz e o Rei Artur. O telegrama de que somos acusados ia assinado pelo Rei Artur em nome da Távola Redonda. Mas, Vossas Excelências não reparam na primeira e grave contradição? Como é que um Rei pode proclamar a República? E, se o fizer, não será porque é um ser de ficção, e não uma pessoa real? O ser de ficção pode ser contraditório consigo próprio, pode consistir numa contradição, mas não o ser real, Vossas Excelências, estes cavalheiros ou eu. O ser de ficção, além disso, só pode cometer um crime ficcionalmente e só ficcionalmente pode ser julgado e sentenciado. Ora bem, do que se trata aqui é julgarem-nos e sentenciarem-nos a nós, que não somos fictícios, mas reais e bem reais. Ou, dito de outra maneira: o senhor Delegado, nas suas conclusões, pediu que estes cavalheiros e eu fôssemos reduzidos ao nada por causa de um telegrama que o Rei Artur enviou a Manuel Azaña proclamando a independência de uma cidade que não existe. Isto, senhores do Tribunal, a estes cavalheiros e a mim não nos parece muito sério."

Gonzalo Torrente Ballester, A Saga/Fuga de J.B.

terça-feira, outubro 11, 2005

O estigma da homossexualidade

A propósito do casamento entre homossexuais, que se tem andado a discutir novamente entre alguns blogues, recomenda-se a leitura do texto da Helena no Dedos de Conversa. Prefiro os textos assim, a assumir desconfortos e incertezas. Confesso-me um pouco saturado dos que nunca se enganam e raramente têm dúvidas. E depois da noite de domingo não faltará muito para termos dose reforçada de certezas nos próximos cinco anos.
Já escrevi alguns posts a expressar a minha opinião sobre o assunto. A preguiça impede-me de os procurar e linkar, mas quem acompanhe este blogue há-de saber que defendo o casamento entre homossexuais e, até, que estes possam adoptar crianças. A pluralidade de estilos de vida não nos permite criar uma imagem fiel da homossexualidade, da mesma forma que não o conseguimos fazer em relação à heterossexualidade. Sabe-se, porém, como os preconceitos funcionam e, neste aspecto, por exemplo, como a promiscuidade heterossexual masculina é vista de forma diferente da promiscuidade heterossexual feminina, e como estas duas são vistas de forma diferente da promiscuidade homossexual.
Para levarmos a nossa vida em sociedade enquadramos as pessoas em categorias e criamos representações de como os comportamentos dessas pessoas devem ser, em função da categoria em que se encontram. Depois estigmatizamos tudo o que escape ao que é considerado aceitável. A estigmatização é um processo omnipresente na interacção social, embora por vezes nem sempre consciente. Constantemente agimos e reagimos em função das perspectivas de estigmatização social, quer seja ao escolher a roupa para sair de casa, quer seja ao conversar com amigos e colegas de trabalho. A gestão da informação que fazemos no dia-a-dia, optando por abordar alguns temas com umas pessoas e não com outras, mais não é do que procurar corresponder às expectativas e evitar o incómodo ou a vergonha. Numa palavra, o estigma. Evidentemente, mais do que alternar entre juízes e réus deste julgamento público, assumimos simultaneamente os dois papéis nos nossos relacionamentos. Controlamos enquanto somos controlados.
Por vezes, quando determinadas situações sociais escapam demasiado à normalidade ou ao tolerável, o estigma torna-se virtualmente impossível de iludir. É o caso, ainda de forma muito significativa, da homossexualidade. Como poderia ser de outra forma quando a "lei natural" é um dos grandes argumentos dos que se opõem ao reconhecimento dos direitos dos homossexuais? Nestas situações em que o estigma está tão difundido na sociedade geram-se estratégias de reacção dos estigmatizados que podem ir desde a vitimização ou procura de aceitação ao desdém ou à hostilidade. Passando, claro, pela afirmação do orgulho na sua condição.
Ou seja, e para chegar finalmente onde pretendo, a imagem de extravagância e o orgulho gay que alguns homossexuais nos oferecem não podem ser entendidas como uma acção independente das relações sociais em que surgem. Em boa medida, estão interligadas com as ideias que vigoram na sociedade. Alterando-se as representações sobre as "naturezas" das sexualidades, necessariamente alterar-se-ão as estratégias de reacção dos grupos visados. Por esse motivo, a alteração de comportamentos depende da interacção, isto é, de acções mútuas. A responsabilidade em questões deste calibre é, muitas vezes (muito mais vezes do que gostaríamos de admitir), de todos os intervenientes. Sacudir essa responsabilidade apenas para um dos lados nesta questão não é apenas injusto. É simplesmente errado.

segunda-feira, outubro 10, 2005

Avelino (estudo de caso)

Como se explica que a candidatura de Avelino Ferreira Torres tenha sido a única, daquelas que se apresentaram em condições semelhantes, a não lograr a vitória?
O candidato a Amarante foi o único a apresentar-se a eleições noutro concelho que não aquele onde exercia funções. E isso faz toda a diferença.

sexta-feira, outubro 07, 2005

Água fresca

Aqui.

«Atrasado»

"O domínio universal da absoluta falta de escrúpulos própria do egoísmo interesseiro voltado para o ganho constitui, precisamente, uma característica específica de todos os países onde o desenvolvimento capitalista burguês – avaliado em termos ocidentais – se manteve «atrasado»."

Max Weber, A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo

terça-feira, outubro 04, 2005

Arquitectura em Portugal

"Não digo que a qualidade execrável, que a vasta maioria dos projectos urbanísiticos e arquitectónicos têm em Portugal, é só culpa do Dec.-Lei 73/73, é também culpa de arquitectos e provavelmente mais ainda devido aos autarcas - vale a pena dar uma vista de olhos! - e a quem os elege.

Um bom ambiente urbano e arquitectónico não é um produto como qualquer um. Tão pouco como a saúde ou a justiça. Para produzi-lo é preciso cultura, ética e formação sólida.
O que é o que falta.
"

Tradição académica (definição marxista)

As praxes: ritual académico em que os líderes de amanhã dão largas à ancestral vocação dos homens para abusarem dos seus semelhantes.

Movimento


Marcel Duchamp, Nu Descendo uma Escada, 1912

segunda-feira, outubro 03, 2005

Na marginal, ao fim da tarde

Domingo, seis e meia da tarde, algures na marginal entre Cascais e Lisboa. Pela frente um Seat Ibiza, todo em laranja, debita a intervalos regulares apelos ao voto no PSD e em Teresa Zambujo. Ao passar por Caxias cruza-se com uma caravana da campanha de Isaltino Morais. Autocarro de dois pisos, seguido por um número de automóveis maior do que aqueles que me apetecia contar. A música e as apitadelas abafam completamente os apelos que, imagina-se, devem continuar a sair do comparativamente pequeno Ibiza, até que a distância surte os seus efeitos e volta a dar voz aos apoiantes de Teresa Zambujo.
É só uma imagem. Não tem mais valor do que isso. Tão real quanto exagerada e caricatural. Mas sempre ajuda a levantar uma questão. No próximo domingo como será?

terça-feira, setembro 27, 2005

A liberdade do espaço íntimo

De vez em quando, caio no erro de ler uma edição da Grande Reportagem que sai ao sábado com o DN. É um erro porque a comparação entre o que esta revista é e o que já foi dá pena. De meio de referência nas publicações mensais a suplemento semanal recheado de mau jornalismo foi um pequeno passo. É um facto e agora há pouco que se possa fazer para o contrariar.
Esta semana a GR decidiu oferecer aos seus leitores uma selecção de palavrões produzidos por políticos nos últimos anos. Curiosa selecção, esta, que mistura declarações públicas com comentários produzidos em privado, apenas conhecidos devido a mais uma famosa violação do segredo de justiça, relacionada com (oh surpresa!) o processo Casa Pia. Lá apareceu, então, o inevitável Ferro Rodrigues, mas também os menos conhecidos desabafos de José Sócrates e de Manuel Alegre.
É bastante estranho que se misturem estes dois registos – o público e o privado – como se não houvesse diferenças entre eles. Qualquer pessoa adopta diferentes registos consoante o contexto em que se encontra e é perfeitamente natural que num registo privado – portanto, íntimo – se permita liberdades discursivas que, por regra, não emprega em situações públicas ou formais. Este tipo de comportamento não tem, em si, nada de especial. O desvio à norma, neste caso, é mesmo a incapacidade de adaptar o seu discurso às situações.
Pode dizer-se que estas variações, mais calão, menos calão, são comuns a qualquer pessoa. E um político é, antes de tudo, uma pessoa. Em privado nem sequer será outra coisa. Mais do que isso, se trocar as prioridades e privilegiar o político em detrimento da pessoa, nunca chegará longe nem como um nem como outra. De resto, como em tudo na vida.

segunda-feira, setembro 26, 2005

E se...

...o PS não melhorar significativamente os resultados das últimas autárquicas?
...perder as maiores cidades?
...perder a Associação de Municípios?
...Mário Soares não ganhar as presidenciais?
...nem sequer houver segunda volta?

O que é que José Sócrates terá a dizer ao partido e ao país?

Integridade

Quantos mais, por estes dias, se têm lembrado de Barros Moura?

A imagem do partido

Triste partido o que designa um José Lello para responder a Manuel Alegre.

Desfasamento com a realidade

Um fim-de-semana inteiro a ouvir José Sócrates dizer que o PS apoia unicamente Mário Soares, e Soares a dizer que é o único candidato apoiado pelo PS. Estranhamente, diziam-no como se estivessem os dois convencidos de que isso é uma vantagem.

quarta-feira, setembro 21, 2005

I love the smell of napalm in the morning

Quem diz napalm, também diz auditorias.
Ou então não gosto. É uma das duas. Agora, com o cansaço, não me estou a lembrar qual é.

In dreams begin responsabilities

Os sonhos também pesam.

terça-feira, setembro 20, 2005

Receios

Há muito tempo dizia-se que no futebol eram onze de cada lado e no final ganhava a Alemanha. Entretanto, verificou-se que, no final, quem ganha é o Brasil. Ou até mesmo a Grécia.
O dito perdeu força, mas mantém algum poder. Aconteça o que acontecer na política alemã nos próximos tempos, ela não há-de deixar de ser a maior economia europeia, a terceira maior economia mundial e o motor da UE.
Já quanto aos pequenos países sem qualquer capacidade de resistência à especulação dos mercados, a história é um bocado diferente.

segunda-feira, setembro 19, 2005

Espelho da alma

Diz-se que os olhos são o espelho da alma. É bem possível que sejam, embora eu seja mais apologista da voz. A voz é um excelente espelho das emoções. A tristeza e a alegria modulam a voz de formas inconfundíveis. Os sorrisos são fáceis de fingir, tendo-se o talento ou a disposição para isso. Os timbres de voz são muito mais orgânicos. Vêm de dentro, são, por assim dizer, mais "autênticos". Logo, muito mais difíceis de disfarçar. O sentimento perpassa na voz como em poucas outras formas de expressão.

Não são só os lábios que sorriem. Também os olhos sorriem. Mas o sorriso é demasiado social. Com facilidade, recria-se, à medida das circunstâncias. Por isso, quando o sorriso mente, mentem também os olhos. Os olhos só não conseguem fingir o brilho. Esse ou está lá ou não está e isso é imediatamente notório. O brilho nos olhos, venha de onde vier, da alegria imensa ou da raiva profunda, toca de forma indelével quem o contempla. Mas quando é a alegria a sua fonte, pode viver-se alimentado por ele.

domingo, setembro 18, 2005

CML

João Pinto e Castro, em poucas linhas, diz quase tudo o que há a dizer sobre como estão a correr as autárquicas em Lisboa.

sexta-feira, setembro 16, 2005

Cor


Robert Delaunay, Mulher nua lendo, 1915



As palavras regressam dentro de momentos.

terça-feira, setembro 13, 2005

Da pergunta à investigação

Recomenda-se vivamente a leitura do post "O dilema de interrogar e a apologia da pergunta", no Adufe.

sábado, setembro 10, 2005

Nojo

Que o JPH se enoje com os blogues políticos anónimos, é lá com ele. Que não queira dizer quem são os jornalistas que, promiscuamente, misturam actividade profissional com a actividade bloguista anónima, também é lá com ele. Mas não pode ficar à espera de grande reconhecimento pelo facto. Porque se não quer desmascarar os profissionais que conspurcam a sua classe profissional, mesmo que ninguém lhe peça que o faça, não pode, sinceramente, apresentar-se como paladino dos bons valores e dos bons princípios. Não enquanto se prontificar a tolerar a infâmia no seu quintal.

O julgamento do JPH contém um vício frequentemente repetido na blogosfera. Para o JPH, os blogues políticos anónimos são um antro. Antro de bufaria, escreve ele; de bufaria caluniosa, depreende quem lê. E por aí se fica. Está dito, é um facto, um absoluto incontestável, que não merece sequer que se prove o que se afirma. Mas isso, é preciso que alguém lho explique, não é nada. Nem sequer é princípio de argumentação. É preconceito puro e simples. É distorção da realidade que o JPH, mesmo que quisesse, nunca conseguiria comprovar.

Repito, para que não haja confusões. Que o JPH não goste de blogues políticos anónimos é exclusivamente com ele. Mas isso é muito diferente de os despromover a todos, por atacado, a meros locais de difamação.

Na combinação conteúdo-assinatura dos posts, o JPH enfatiza a assinatura. O conteúdo fica para segundo plano. Porque, para ele, se não tem nome, mete nojo. São, assim, metidos no mesmo saco os justos e os pecadores. Ora, que os justos paguem pelos pecadores é uma coisa que me faz muita impressão. Que me mete nojo. Julgo mesmo que não condenar inocentes é uma das mais elementares regras morais que está ao alcance do entendimento de quase toda a gente. Que isso não mereça um momento de reflexão do JPH é uma coisa que não cessa de me espantar.

Há por esta blogosfera muito post e muito blogue anónimo versando sobre política. Há muitos exemplos que expressam bem que o facto de não botar assinatura não inviabiliza a honestidade intelectual, a frontalidade, o rigor, a verdade e o respeito pela dignidade dos eventuais visados. E exemplifico desafiando quem quiser a descobrir nos posts do Irreflexões, ou no Blogame Mucho, ou na Natureza do Mal algo que viole algum destes princípios. Haverá mais, muitos mais, mas estes são, para mim, os exemplos mais marcantes. Gente que tenho em boa conta, apesar de não os conhecer de lado nenhum, e que me custa ver assim injustamente enxovalhados.

O JPH está disposto a lançar lama para cima de muitas pessoas, num gesto que tem tudo de igual ao que ele pretende criticar nos blogues políticos anónimos. Fá-lo com a agravante de vir anunciar que encontrou a passagem para o reino de Hades, mas recusando-se a divulgar as suas coordenadas. Perde, assim, a superioridade moral de que necessita para suportar tanto nojo. E deixa a impressão de estar a perder a perspectiva da hierarquia de prioridades.

sexta-feira, setembro 09, 2005

Bestiário

Devo ter ouvido mal, mas era capaz de jurar que na reportagem emitida pelo telejornal da SIC sobre a campanha eleitoral em Setúbal, o jornalista acabou de dizer que, sendo o candidato do PSD, Fernando Negrão, natural de Angola, não surpreende que se sinta tão à vontade a caminhar no meio dos bairros de lata.
O resto da extensa reportagem não foi muito melhor e nunca se chegou a aproximar-se de algo que se parecesse remotamente com rigor ou objectividade. Poder-se-ia dizer que foi um trabalho inominável. Mas não. Toda a gente sabe o que chamar a trabalho deste nível.

Qual cartelização? (II)

O preço do petróleo sobe, os preços dos combustíveis aumentam. O preço do petróleo desce, os preços dos combustíveis... aumentam. Definitivamente, o mercado dos combustíveis rege-se por lógicas muito próprias.

Sejamos claros

Numas quaisquer eleições, entre dois candidatos, sendo um deles Cavaco Silva, haverá muito poucas combinações nas quais eu não vote contra o ex-primeiro-ministro. Por exemplo, se o opositor fosse Belzebu, ele mesmo, eu talvez votasse em Cavaco. Mas confesso que ia depender um bocado das propostas do Príncipe das Trevas.

Se não me falha a memória

As intenções de voto em Mário Soares não são muito superiores às que eram anunciadas para Manuel Alegre.

quinta-feira, setembro 08, 2005

Projectos

O litoral alentejano é um dos melhores destinos turísticos do país. Não tenho a certeza, mas talvez tenha alguma coisa a ver com a ausência de "projectos que poderão transformar o litoral alentejano num dos melhores destinos turísticos do país."

Implosão

As classes dirigentes do país estão em peso em Tróia para ver umas torres vir abaixo. Acontecimento que, por sua vez, está a merecer emissão especial em directo na SICN. Sou só eu a pensar que tudo isto revela um certo espírito saloio?

Vistas curtas

Confesso que tenho tido dificuldades em encontrar essa gente que rejubila com a devastação causada pelo Katrina. É de mim, com toda a certeza. Também tive dificuldades em encontrar quem tenha ficado contente com o 11 de Setembro, com o 11 de Março e com o 7 de Julho. Não devo estar a procurar tão afincadamente quanto devia.

Cocaína

Uma estatística sobre consumo de cocaína publicada pelo El País causou estupefacção no Nortadas. A Espanha regista a maior percentagem de consumidores e Portugal uma das menores. Nem tudo corre mal neste país, conclui-se por lá, para a seguir se questionar o que se passará com os nossos vizinhos para liderarem tão malfadada lista.

Para se fazer incidir alguma luz sobre razões para os resultados apresentados, convém conhecer a substância. A cocaína actua como um estimulante do Sistema Nervoso Central, produzindo agitação intensa e euforia. Ainda hoje os habitantes de determinadas regiões dos Andes continuam a mascar a planta da coca, acto que lhes aumenta a capacidade de trabalho e os ajuda a enfrentar os problemas relacionados com a altitude e as condições climatéricas. No mundo ocidental, após uma fase de ampla utilização entre finais do século XIX e início do século XX, dá-se uma remissão do consumo, especialmente com a Segunda Guerra Mundial. Só a partir dos anos 70 se volta a generalizar o consumo. Especialmente nos anos 80, esta droga fica sobretudo associada a meios sociais afluentes. É a droga dos bem instalados e dos executivos de sucesso.

A cocaína não é uma droga de excluídos sociais, embora o consumo regular de drogas duras seja um grande passo nesse sentido. Pelo contrário, é uma droga que, pelos efeitos que provoca e pela aura que lhe está associada, é mais característica de situações de contacto social, quer em trabalho quer em lazer, aumentando a sensação de auto-confiança, de agilidade mental, de poder e de capacidade de realização. O efeito de tolerância pode não ser tão intenso como noutras drogas, mas a dependência psicológica é fortíssima. De uma forma ou de outra, as dosagens tendem a aumentar com o tempo. As consequências deste consumo revelam-se devastadoras, tanto a nível fisiológico como psicológico.

O consumo de drogas tem associado um ritual e uma cultura. Um dos factores que podem explicar, então, as percentagens de consumidores de cocaína que Portugal e Espanha registam é a realidade sócio-económica. O que estes números ajudam a perceber é a diferença entre estas realidades de um e de outro lado da fronteira. À elevada percentagem de cocainómanos em Espanha não hão-de ser alheios o ambiente competitivo e produtivo e o sucesso económico que o país tem conhecido nestes anos. Ao passo que em Portugal, as condições que potenciam o consumo desta droga, como se sabe, não conhecem os melhores dias.

Evidentemente, não se pretende que o desenvolvimento económico nacional seja feito à custa do consumo de cocaína. Mas, ainda que muito basicamente, não se arrisca muito ao afirmar que em Portugal há menos consumidores de cocaína porque esta é uma substância associada a meios de sucesso, empreendedores, competitivos, com sede de vitória e de poder, e este é um país pobre, onde esses traços culturais estão longe de ser os mais marcantes. Ou seja, certamente entre outras explicações que concorrem para estes números, a baixa percentagem de consumidores pode explicar-se, ao contrário do que se verifica em Espanha, pela estagnação em que o país tem vivido.

quarta-feira, setembro 07, 2005

Consciência ecológica

O EcoPonto da rua costuma estar sempre a transbordar. Frequentemente, o passeio fica obstruído com todo o material que já não cabe nos contentores, obrigando os transeuntes a mais uma das muitas incursões no alcatrão – traço tão tipicamente lisboeta. Das duas, uma: ou os moradores neste local têm uma consciência ecológica acima da média, ou são os serviços de recolha que registam um claro défice.

Orgulho

Numa entrevista recente o actor e realizador George Clooney , contava que o pai, um jornalista do Kentucky perseguido durante o McCarthysmo, manteve sempre opiniões de grande coragem, tendo como modelo Edward Murray, um símbolo da independência jornalística nos USA. "Com a minha irmã aprendemos a comer depressa quando éramos convidados por outra família, porque o meu pai quase sempre discutia com os anfitriões e tínhamos que nos ir embora antes da sobremesa." E Clooney, que dirigiu Boa Noite e Boa Sorte, para recordar Murray e Mc Carthy, continua: "E sabe que mais? Sinto orgulho de todas as discussões, de todas as refeições sem fim e de todas os despedimentos de que ele foi alvo."

Complementaridades

Evidentemente, tudo o que foi dito no post anterior não inviabiliza todas as mais que merecidas críticas que se possam fazer à governação Bush e aos modelos ideológicos que a regem. Tanto a tentativa de compreensão como a crítica são exercícios de racionalidade que, mais que somente compatíveis, se revelam, de facto, perfeitamente complementares.

Visões do mundo

Através do Bicho Carpinteiro, esta preciosa frase de Barbara Bush:

"And so many of the people in the arena here, you know, were underprivileged anyway, so this is working very well for them."

Duas ideias fortes presidem a esta afirmação da mãe do actual presidente dos EUA. Em primeiro lugar, uma visão das hierarquias sociais que admite como justa uma situação de desfavorecimento de determinados grupos. Não é outra coisa que está em jogo. É, efectivamente, uma forma de ver o mundo que define o que as pessoas merecem pelo que têm. Revela uma preocupação pelos saldos – portanto, pela diferença entre o que se tinha e o que se tem –, mas não considera relevante uma situação de miséria por si só. Trata-se de uma concepção da justiça social que radica numa noção de que as pessoas merecem a realidade em que vivem e o que lhes acontece.
O segundo aspecto digno de nota é a espontaneidade do discurso, reveladora do fortalecimento da ideologia. Não é uma gaffe, embora seja provável que, muito brevemente, surjam tentativas de desvalorizar as declarações. É uma forma de ver o mundo, profundamente enraizada na mentalidade de determinados sectores da sociedade americana (e não só).
Foi e continua a ser comum ver George W. Bush como um político pouco inteligente e sem qualidades discursivas. Mas a campanha para a reeleição, acompanhada com mais interesse por todo o mundo do que a primeira, revelou um homem com uma capacidade de fazer passar a sua mensagem de forma concisa e apelativa. Bush opta por exercer a sua influência num eleitorado que tende a partilhar os seus valores e a sua forma de estar. Os americanos não votam Bush exclusivamente por falta de capacidade crítica, como por vezes se tenta dar a entender. Votam Bush porque, partilhando a sua visão nos assuntos sociais e económicos, partilham também as suas prioridades.
A disponibilidade para entender esta realidade continua a escapar a muitos analistas. Porventura, terá escapado também aos Democratas, com as consequências que se conhecem.

terça-feira, setembro 06, 2005

À atenção do Besugo

Barco de Sean Penn afunda-se

segunda-feira, setembro 05, 2005

Migrant Mother



Em 1936, Dorothea Lange fotografou esta mulher de trinta e dois anos e mãe de sete filhos. Pobreza, fome e nenhuma esperança no horizonte. Foi há quase setenta anos.

Land of inequity

A Administração Bush transformou-se numa caricatura governamental. Um Estado fortemente armado e beligerante, de enormes assimetrias sociais, incapaz tanto de prevenir como de socorrer a própria população perante uma catástrofe anunciada. Um retrato mais frequentemente associado a países do terceiro-mundo, mas que, desta vez, se adapta bastante bem à maior potência mundial.
Mais uma vez, a Administração reclama que ninguém poderia conceber uma catástrofe destas dimensões. E, mais uma vez, vai ficando provado que a magnitude da desgraça estava há muito equacionada e que pouco foi feito para a minimizar, sobretudo no que diz respeito aos mais desfavorecidos. Os EUA são um país em que a Economia mostra toda a sua crueldade. Ao espírito competitivo e empreendedor, à pujança dos números, do crescimento do PIB e dos lucros das multinacionais, correspondem desigualdades sócio-económicas gritantes. Existem milhões de americanos sem acesso à segurança social e aos serviços de saúde, a viver na mais absoluta miséria. Agora, depois do Katrina passar por Nova Orleães, aos que já pouco tinham, nada resta.
Em boa verdade se diga, os EUA perdem-se muito na sua orgânica política e administrativa. São diversos os níveis de decisão – federal, estadual e local – o que facilita a burocracia a as falhas de comunicação. Há-de haver responsabilidades partilhadas pelos diversos níveis. Isto quer dizer que a Casa Branca, não sendo a única responsável e podendo nem ser a maior responsável, também é responsável. Pode haver quem queira descobrir nestas críticas alguma forma de anti-americanismo. Não terá razão para isso. Criticar a realidade política e sócio-económica dos EUA é a melhor forma de afirmar que os americanos merecem mais do que o que estão a receber.

sexta-feira, setembro 02, 2005

A prioridade da Educação

A reflexão sobre as qualificações dos portugueses e o sucesso do choque tecnológico prosseguiu no Água Lisa. Foram por lá levantadas uma série de questões relevantes às quais não quero, realmente, deixar de dar a minha opinião.

O choque tecnológico do governo é inegavelmente um conjunto de boas intenções. É tudo isso que o João Tunes descreve (apoiar as empresas com estratégias e resultados de inovação, a mudança nos procedimentos, na escolha dos produtos, na diferenciação, na qualidade, no valor incorporado e na criação de empregos para os jovens licenciados) e mais alguns outros aspectos, como a criação de novas empresas com novas competências e a aposta na sociedade de informação e na ciência e tecnologia. Não é possível estar contra tal programa. Seria como estar contra o progresso tecnológico e civilizacional. Mas como estes desejos não se concretizam por decreto, devemos questionar em que medida se articulam com o tecido empresarial português. E a minha dúvida é, então, se o tecido empresarial está receptivo a estes apoios ou se, por outro lado, vai continuar a passar ao lado deste desígnio.

É consensual que o país carece de mão-de-obra qualificada, tal como são conhecidas as deficiências dos empresários portugueses. Neste momento, já existem apoios à qualificação e ao investimento em desenvolvimento e inovação tecnológica que pretendem colmatar essas insuficiências. O Estado e a União Europeia comparticipam as mais diversas medidas de apoio em diferentes sectores e regiões. Apesar dos elevadíssimos montantes atribuídos, as taxas de execução são baixas (nalguns casos chegam a ser constrangedoramente baixas). Vários factores podem ser apontados como responsáveis por esta realidade. Por um lado, a carga horária média de trabalho é elevada, o que, já por si, dificulta a conciliação da vida profissional com a vida privada, deixando muito pouca disponibilidade para projectos de qualificação. Por outro lado, a dimensão média das empresas é pequena, o que dificulta a cedência de trabalhadores em horário laboral para acções de qualificação. Não é por acaso que são as grandes organizações as que mais apostam na formação. Além disto, existe ainda uma profunda opacidade no acesso aos programas de apoio. Encontrar a medida adequada aos objectivos pretendidos pode ser como encontrar uma agulha num palheiro. Por último, as empresas não demonstram capacidade de aproveitar os apoios, precisamente, porque lhes falta quem reconheça a importância da mudança de paradigma.

A minha perspectiva é que a convergência com os níveis europeus não se alcança à martelada. Pelo contrário, se se pretendem resultados, tem de se planear uma convergência sustentada. Se bem compreendi, o João Tunes aposta num choque tecnológico que dinamize a procura de mão-de-obra qualificada. Eu nem me oponho a esta ideia. Mas, sem exagerada desconfiança, interrogo-me: quando os empresários finalmente procurarem pessoal qualificado, onde é que o vão encontrar? Para todos os efeitos, se continuarmos a ter somente 20% da população com o ensino secundário completo e menos de 10% com um curso superior, a oferta não abunda. É nesta óptica que manifesto as minhas reservas quanto ao sucesso das boas intenções do plano tecnológico do governo. Ou seja, por uma questão de prioridades. A título de exemplo, o plano tecnológico, avançado pelo Programa do Governo, pretende tornar obrigatória a prática experimental em disciplinas científicas e técnicas do Ensino Básico e Secundário. Louvável medida, em perfeita consonância com a complementaridade entre o choque tecnológico e a aposta na educação dos mais novos. Mas existem laboratórios em todas as escolas do ensino básico e secundário? E estão devidamente equipados? Se as respostas forem não, isso não retira mérito à ideia, mas retira-lhe exequibilidade. Assim sendo, faria bastante mais sentido dotar as escolas de todos os meios adequados à prossecução da sua notável tarefa de educação das novas gerações. Sendo que isso não só não é incompatível com a vontade de tornar a prática experimental obrigatória, como se mostra mesmo condição necessária. Mas, neste caso, faria também muito mais sentido dizer que estamos mais no campo do investimento no ensino do que no campo do choque tecnológico.

Não julgo, portanto, que as nossas visões sejam exclusivas entre si, antes complementares. Mas se me pedirem para nomear uma prioridade estratégica, indico sem hesitações o Ensino. Comecemos por aí que é um excelente começo.

quarta-feira, agosto 31, 2005

Rumor assassino

"Rumor de atentado suicida em Bagdade faz 647 mortos"

Alegre out, Alegre in

Um dia antes da decisão de Soares, Manuel Alegre afastou-se da corrida presidencial. Traçou um diagnóstico preciso dos problemas que o país enfrenta, especialmente no que diz respeito à política e às desigualdades económicas. Não se refugiou em meias palavras, foi frontal no seu desacordo com a candidatura de Soares e com as decisões do PS, especialmente no pré-condicionamento das candidaturas que a direcção do partido praticamente impôs. Demarcou-se das duas e deixa o sucesso ou insucesso nas eleições inteiramente à responsabilidade de José Sócrates e da sua direcção.
Deixou subentender ainda uma antevisão negativa do futuro de Sócrates. Não há outra forma de entender a vontade manifestada em continuar a actividade política noutras batalhas, à espera do inesperado. Esse inesperado não pode ser outra coisa que não o fim prematuro do governo PS. A assim ser, deve entender-se que Manuel Alegre e a ala esquerda do PS se posicionam para disputar mais uma vez a liderança do partido e que o esperam fazer mais depressa do que se julga. E são capazes de ter toda a razão.

O ideal fascista

O abaixo-assinado que citei no post anterior é promovido pela Juventude Nacionalista, um órgão do Partido Nacional Renovador. O PNR defende um ideal discriminatório de índole marcadamente racista e xenófoba. Dizer que a linha de argumentação usada tem características fascistas acaba por ser uma redundância.

No entanto, é importante, ainda assim, salientar o carácter fascista do texto, na medida em que evoca alguns mitos correntes sobre a sexualidade, de forma geral, e a homossexualidade, de forma particular. É importante que as pessoas que acreditam que existe qualquer coisa intrinsecamente errada com a homossexualidade percebam que pisam um caminho que se aproxima perigosamente do ideal fascista. Afirmar, por exemplo, que a homossexualidade é intrinsecamente promíscua é manifestamente igual a afirmar que os judeus são intrinsecamente avarentos e intriguistas. Um preconceito inaceitável.

Da última vez que o ideal fascista assumiu relevância política, o mundo entrou em guerra durante seis anos, a Europa ficou devastada, morreram dezenas de milhões de pessoas e foi levada a cabo uma tentativa de extermínio de judeus, ciganos, homossexuais e deficientes. Foram estas as consequências de uma forma de ver o mundo e a humanidade que só aparentemente se baseia na segurança de saber o que é certo e errado. O fundamento do fascismo é uma concepção anti-democrática do espaço público e uma imposição de formas de pensar e de agir no espaço privado. Não admite oposição e não só recorre à violência como se baseia nela para se legitimar. Numa palavra, o totalitarismo.

Denunciar o cariz destas linhas de argumentação justifica-se e continuará a justificar-se enquanto continuar a haver quem nem sequer se aperceba de todas as implicações do que está a dizer. Existe uma certa hesitação em dar publicidade a este tipo de discursos e de acções que têm como suporte o puro preconceito. Mas a hesitação que possa existir dissipa-se perante a necessidade de desmistificar as supostas fundamentações racionais da discriminação da comunidade homossexual. Os argumentos em que se baseiam os defensores da discriminação da comunidade homossexual não têm qualquer base que resista a uma crítica justa e racional. Isso, por si só, faz merecer o esforço de denúncia.

(O último parágrafo foi aumentado após a publicação do texto)

terça-feira, agosto 30, 2005

Fascist eye for the queer guy

Encontra-se disponível on-line mais um abaixo-assinado. Desta vez, o motivo é a oposição a um programa que a SIC pretende transmitir brevemente, baseado num original americano intitulado Queer Eye For The Straight Guy. O programa gira em torno de um participante (heterossexual masculino) que se disponibiliza para alterar toda a sua imagem, tendo como objectivo tornar-se mais apelativo para o sexo feminino. Para tal, segue os conselhos de outros cinco homens, assumidamente gays. Segundo os subscritores do abaixo-assinado, este modelo destina-se a "promover e estimular o comportamento homossexual na sociedade e, em particular, junto dos mais novos". O texto considera ainda que "a homossexualidade é um comportamento não natural e socialmente inútil", "anti-natural do ponto de vista fisiológico e da própria anatomia sexual" e, portanto, "deve ser considerada como um desvio dos comportamentos normais, naturais, saudáveis e profícuos do Homem". Desta forma, as reivindicações da comunidade homossexual não só não devem ser reconhecidas, como toda a "promoção/propaganda pública do ‘estilo de vida’ gay afigura-se igualmente inadmissível."

Em primeiro lugar, e para que não restem quaisquer dúvidas, é preciso afirmar peremptoriamente que todas estas afirmações são falsas e se baseiam na ignorância, na má-fé ou nos preconceitos mais atávicos sobre a sexualidade.

O comportamento sexual tem muitas nuances e encerra muitos aspectos problemáticos. Mas nenhum deles inclui o efeito de contágio. Não está provado, de forma alguma, que o contacto com o estilo de vida gay, ou mesmo a convivência próxima com homossexuais, afecte o comportamento sexual do indivíduo, mesmo que se trate ainda de uma criança. De resto, definir o estilo de vida gay é uma ideia tão peregrina como definir o estilo de vida heterossexual. A orientação sexual de uma pessoa não lhe define o estilo de vida. Aquilo que uma pessoa é não pode ser definido tendo por base somente um traço da sua identidade pessoal e ignorando todos os restantes aspectos que influem nesta composição. Pode efectivamente acontecer que as crianças com relações de proximidade com homossexuais – nomeadamente, no interior da família mais chegada – não desenvolvam papéis de género tão rígidos. Mas isso não representa nenhuma deficiência de formação. Os papéis de género são socialmente determinados e é de uma arrogância inconcebível defender a priori que determinado modelo não só é o mais recomendável como também o único legítimo. O que se torna relevante para o indivíduo é que ele saiba reconhecer e interagir em diferentes contextos, sendo essa a chave da interacção em sociedade. A rigidez dos papéis sociais levanta mais problemas do que facilidades.

Outro ponto em que o texto do abaixo-assinado insiste é no factor contra natura da homossexualidade. Esta concepção resulta da sobreposição de duas confusões: uma entre sexo e sexualidade, que já abordei anteriormente, e outra entre normal e natural.

A sexualidade não tem nada de natural. Não só não é estritamente reprodutiva, como nem sequer é fundamentalmente reprodutiva. A sexualidade tem sobretudo a ver com os códigos simbólicos que as sociedades desenvolvem, e que são adoptados pelos indivíduos, para a sedução e o prazer sexual. E, na medida em que não violentem nem causem dano a ninguém (exceptuam-se, portanto, os casos de abuso e as parafilias), não existe nenhuma razão plausível para serem criticados, por mais estranhos que possam parecer. De qualquer forma, se se quiser repudiar a homossexualidade por não cumprir uma função reprodutiva, é preciso também repudiar todas as outras práticas de índole sexual, incluindo as heterossexuais, que não tenham por finalidade a reprodução. Muito provavelmente, as intenções dos autores do texto estarão muito próximas desta vontade. Mas, nesse caso, precisam de deixar de confundir o normal e o natural. Porque se para a homossexualidade a confusão entre os dois termos lhes convém, na medida em que a homossexualidade é um comportamento minoritário, facilitando-lhes a associação falaciosa entre o que é pouco comum e o que é anti-natural, já em relação a determinados comportamentos heterossexuais sem finalidade reprodutiva o mesmo não se pode dizer. Assim, tal como o argumento da naturalidade, também o argumento da normalidade se encontra fundamentado em equívocos e incorrecções, revelando a extrema fragilidade destas concepções da sexualidade.

O que estes grupos fundamentalistas defendem é uma negação do direito à liberdade sexual. O que acaba por ser o mesmo que recusar o direito à realização sexual e à consequente realização pessoal. Esta perspectiva entra em conflito com as liberdades individuais e constitui uma ingerência no espaço privado do indivíduo. Não se trata apenas de uma visão ultra-conservadora. Trata-se de puro fascismo. É ela que se torna inadmissível por representar um retorno à intolerância, ao puritanismo hipócrita e à moral e aos bons costumes tão ao gosto dos totalitarismos. No mínimo, quem subscreve tal abaixo-assinado fá-lo com a leviandade do ignaro. No máximo, fá-lo alimentado por uma profunda má-fé. Em qualquer dos casos, nem uns nem outros possuem legitimidade para fazer reparos à orientação sexual de quem quer que seja.

segunda-feira, agosto 29, 2005

Passo a passo, talvez cheguemos a algum lado

Paulo Morais vai esclarecer denúncias

Aguardemos, então.

Imigração

Finalmente, alguém parece ter percebido que as regras de entrada de imigrantes em território nacional, tal como estão, não servem os interesses de ninguém. Quer dizer, sempre vão servindo os interesses de quem lucra com a imigração e com o trabalho ilegal.

Qualificações e choque tecnológico

A conversa sobre as qualificações dos portugueses cresceu e já chegou ao choque tecnológico. Para acompanhar, a quem interesse, no Água Lisa, do João Tunes.

Olha, pá, nisso estamos de acordo

"Tenho medo que isto tudo não dê os resultados esperados, que andemos a apertar o cinto em nome do Estado Social e ao fim nem mantemos o Estado Social, nem melhoramos a economia, perdemos muitos anos e perdemos as eleições."

História concisa da culpa, segundo Ricardo Gonçalves

Portanto, a culpa é do Campos e Cunha
"O Governo acabou por cair, talvez influenciado pelo anterior ministro das Finanças, na tentação de subir os impostos e tomar medidas de restrição da despesa do Estado. Isto significa que o Governo fez o mesmo que tinham feito Durão Barroso e Manuela Ferreira Leite. O Governo sobe os impostos, retira regalias, aperta o cinto em determinados ministérios, e diz que isto é tudo para salvar o Estado Social - essa é talvez a única nuance que distingue este Governo do anterior."

Portanto, a culpa é da ala esquerda do PS
"Por outro lado, o argumento de que tudo é feito para salvar o Estado Social cimentou ideologicamente a ligação do Sócrates e de alguns dos seus apoiantes no PS à chamada ala esquerda do partido, que apoiou o Manuel Alegre. Isto levou a uma situação curiosa quem domina ideologicamente o PS, há muitos anos, é a chamada ala esquerda do partido."

Portanto, entre 1990 e 1995, quando o país era governado pela maioria absoluta do PSD, esses grandes esquerdistas
"Há efectivamente uma influência grande. Esta ala esquerda chega sempre ao encontro da História com dez anos de atraso. Repare que algumas das medidas que agora estão a ser tomadas, por exemplo em relação à função pública, já deviam ter sido tomadas há dez ou quinze anos."

Soares, esse amiguinho dos comunas
"Por isso é que eu não estou de acordo que seja um candidato da ala esquerda do PS - seja Soares, seja Alegre - a protagonizar uma candidatura presidencial."

Sim, pá, quer dizer precisamente isso
"É inconcebível que os candidatos [presidenciais] surjam dos 20% que, no congresso, estiveram contra José Sócrates. Quer dizer que os 80% que apoiaram o secretário-geral não são capazes de produzir um candidato?"

Portanto, a culpa é dos que criticam e não dos que governam
"E eu estou convencido de que este país só tem sucesso quando o PC e o BE criticarem com razão. Porque, por enquanto, têm criticado sem razão."

Portanto, afinal, a culpa é do Cavaco
"Cavaco viveu sempre de enganar os portugueses fez um Governo em que deu tudo a todos, manteve os lobis, lançou as bases da actual crise."



Entrevista completa ao DN

domingo, agosto 28, 2005

Meta micro-causas

Entendo os blogues como um entretenimento. Não aspiro a muito. Não aspiro a ter muita audiência, não aspiro a exercer influência, não aspiro a funções de zelador do que quer que seja. Não tenho agenda. Obedeço à vontade do momento e a mais não me obrigo. Este blogue deve ser um prazer e não uma obrigação. Sem obrigatoriedades, responsabilidades e aspirações a influência, falo e calo sem justificações. Tenho reservas sobre a verdadeira influência dos blogues, mas, ainda que me engane, não pretendo mais para este espaço do que uma forma de participação despreocupada.
Existe quem não entenda os blogues assim, quem reclame para os blogues outras funções. Sobretudo, influência. A influência implica poder; o poder implica responsabilidade. Quem reclama para os blogues uma forma de poder, tem de estar preparado para o exercer com responsabilidade, o que passa por não se furtar a comentar assuntos de relevância incontornável, por mais desconfortáveis que sejam.
O silêncio à volta das declarações de Carmona Rodrigues (que, sem assombro, confessou estar disposto a pagar apoios políticos com dinheiro público) contradiz o poder que se pretende para a blogosfera. Se não existe capacidade, ou vontade, de reconhecer o ultraje para a coisa pública que são aquelas declarações, então não se pode reivindicar para os blogues mais do que um estatuto de passatempo elaborado.


Carmona Rodrigues: Numa tentativa de estar bem com a minha consciência – sou uma pessoa de princípios – se tinha inicialmente dado abertura à inclusão de um nome na lista da Assembleia Municipal, e tendo o PSD inviabilizado essa hipótese, disse: olhe, apesar de tudo, se não houver viabilidade para isto, haverá viabilidade de outra forma.
Sábado: O que quer dizer com "outra forma"?
Carmona Rodrigues: Falei de outra forma de participar, algo ligado à autarquia, que poderia passar por uma consultoria ou qualquer coisa. O que aliás são coisas normais.
Sábado: E o que seria essa consultoria?
Carmona Rodrigues: Qualquer coisa, não faço ideia, ficou assim no ar.

Choque tecnológico

Já o deixei em comentário no Água Lisa e repito aqui: que choque tecnológico se pode implementar quando 80% da população não completou sequer o ensino secundário?

sexta-feira, agosto 26, 2005

Dois lados para cada história (pelo menos)

Parece que há para aí um estudo que conclui que os homens têm, em média, um QI superior às mulheres (abordado na 4R e no TdN). Sem outra informação que não seja a veiculada por estes dois blogues, é muito difícil tecer comentários. Ainda assim, admitindo a conclusão como correcta, é preciso ponderar os números com outros factores. Por exemplo, não restando dúvidas sobre a discriminação que as mulheres experimentam aos mais diversos níveis, interessa saber qual a população estudada e cruzar essa informação com o que já se sabe sobre este tipo de fenómenos. Se as capacidades do ser humano dependem de uma mescla entre as disposições genéticas e as influências do meio social, tudo o que pretenda atingir conclusões sem tomar em consideração estes dois aspectos peca por defeito.

Vinte por cento

A percentagem de portugueses que completou o ensino secundário não era só a mais baixa da UE em 2002. De facto, nem sequer havia nada parecido nos restantes países. Os valores mais próximos do nacional eram os da Espanha e da Itália, qualquer uma delas, ainda assim, com mais de 40%. A percentagem portuguesa em 2002 – 20,6% – era mesmo inferior à percentagem espanhola em 1992 – 24% – e neste período aumentou apenas 0,7 pontos percentuais. Uma realidade demasiado má para ser ignorada ou tolerada.

Números que arrepiam

Em 2002, Portugal apresentava uma taxa de população com o ensino secundário completo de 20,6% – a mais baixa da UE. A média europeia estava nos 64,6%, enquanto, a título comparativo, a Espanha registava 41,6% e a Alemanha registava 83%. Não explica tudo, mas explica muita coisa.

E pode adiantar nomes?

Existe um sketch do Gato Fedorento em que um dirigente desportivo dá os nomes e as provas que incriminam dois árbitros corruptos. O jornalista passa completamente ao lado das referências e, por sua vez, acusa o dirigente de não concretizar as acusações e ficar-se pelas insinuações, como é costume no mundo do futebol.
Com Paulo Morais sucede precisamente o contrário. Ainda não disse nada, mas toda a gente finge que ele já terá dito muito.

As suspeições sobre tráfico de influências e corrupção no poder local não são de hoje. Aliás, analisando os elementos que caracterizam os partidos, o exercício do poder e os interesses económico-financeiros dependentes das decisões políticas, nem são precisas as suspeições de Paulo Morais para se admitir que o sistema tem falhas susceptíveis de estarem a ser aproveitadas, quer no poder local, quer no poder central. Mas uma coisa é a desconfiança e outra, bastante diferente em substância, é a acusação fundamentada. Algo que se pareça com: "o senhor A, da empresa X, tentou aliciar o senhor B, para que a decisão sobre o assunto Y lhe fosse favorável, ao que se junta ainda a pressão do senhor C, do partido Z, que intercedeu a favor do senhor A e da sua empresa; passo a apresentar os documentos que provam esta acusação."
Tanto quanto parece, não foi nada disto que Paulo Morais fez, embora até tenha admitido conhecer nomes e casos concretos. Conhecendo-os e não os divulgando, isso tem de ser considerado cumplicidade ou, no mínimo, obstrução à justiça. O vice-presidente da CMP está longe de poder ser considerado um exemplo.

Coerência

Se o PSD reconhece que não é capaz de elaborar um orçamento realista no que diz respeito ao universo relativamente simples das contas de campanha eleitoral, como é que espera que alguém acredite que o foi capaz de fazer com o Orçamento de Estado?

quinta-feira, agosto 25, 2005

Qualquer coisa que não bate certo

O vice de Rui Rio lança umas acusações pouco definidas sobre o poder local, que confirmam uma suspeição há muito generalizada, mas que pouco ou nada acrescentam de concreto a essa suspeição, e meio mundo vem escrever sobre isso.
O candidato a presidente da Câmara Municipal de Lisboa, ex-ministro e ex-presidente da mesma autarquia, admite publicamente, sem margens para equívocos, que se preparava para pagar apoios políticos com o erário público (porque era disso que se tratava) e o assunto, que merece ser escândalo nacional e custar a carreira política ao candidato, passa perfeitamente incólume.

Previsões difíceis

Vital Moreira defende que a divisão à esquerda não beneficia Cavaco. Mais ainda, afirma que se este não ganhar na primeira volta, muito mais dificilmente o fará na segunda.
Este raciocínio faz sentido mas encontra-se ligeiramente viciado, não levando em linha de conta que, na segunda volta, nem os votantes, nem as circunstâncias, serão forçosamente os mesmos que na primeira. Quer os resultados eleitorais da primeira volta, quer o seguimento da campanha para a segunda volta, podem motivar novos votantes ou desmotivar certos grupos que se deslocaram às urnas. Evidentemente, é de crer, e tudo aponta para isso, que a esquerda prefira endossar Mário Soares a ter Cavaco Silva como Presidente. Mas o eleitorado da direita também o sabe e pode perfeitamente mobilizar-se mais para uma segunda volta onde tudo se decida definitivamente.
O comportamento social tem esta característica: incorpora o conhecimento produzido para se modificar. O que, não impossibilitando, dificulta significativamente as previsões.

quarta-feira, agosto 24, 2005

As presidenciais do PCP

O PCP escolheu Jerónimo de Sousa para candidato à Presidência da República. Esta opção pretende ter um duplo impacto. Por um lado, o PCP aproveita para continuar a familiarizar o eleitorado com o novo SG. Em segundo lugar, tenta aproveitar o capital de simpatia conquistado por Jerónimo de Sousa durante a campanha para as últimas eleições legislativas.
O lado negativo desta estratégia, e que o PCP devia ter previsto, é que esta escolha representa um reforço do cenário revivalista das candidaturas à PR. Sobretudo, o resultado prático vai ser um desgaste ao qual o PCP se podia ter poupado, sabendo, como sabe, que a imprensa e os canais televisivos não são propriamente os seus melhores aliados e que o tema da incapacidade de renovação partidária está na ordem do dia. Com esta escolha, o PCP acabou por perder uma boa oportunidade para inovar e marcar a diferença.

Gripe das aves

Prenda de aniversário

Ingredientes:
1 Kg de farinha de trigo
300g de açúcar
4 ovos
1 l de leite
1 colher de chá de sal
1 colher de sopa de fermento de padeiro
3 colheres de sopa de margarina

Amassa-se muito bem a farinha, os ovos, o açúcar e a margarina derretida no leite, juntando o sal. Adiciona-se o fermento e deixa-se levedar.
Dá-se forma de bolo e deixa-se levedar durante mais meia-hora.

Leva-se a cozer em lume brando numa sertã de barro.


Receita dedicada ao segundo aniversário do Blogame Mucho. Que contem muitos e bons.

terça-feira, agosto 23, 2005

Luz

Se as amarguras se podem afundar, por que não também o simples amargo dos posts?


J. M. W. Turner, Mortlake Terrace, 1826

Sense and sensibility

Escapou-me o episódio da dúbia oferta de Carmona Rodrigues a Manuel Monteiro, em troca do seu apoio político nas autárquicas. Tudo o que há para dizer já foi dito pelo JPT e resume-se assim: a ser verdade, Carmona está a mais na política.

Sobre a sensibilidade política e moral de Carmona Rodrigues, relembro que este foi o ministro que quis explicar a queda de um viaduto pedonal sobre o IC19 com o bater de asas de uma borboleta do outro lado do mundo.

E esponencialmente? Em que sítios do país se escreve isso?

Tinha de ser. Estou a ser deselegante, o Vital Moreira até pode ter razão nas queixas que tem feito, mas tinha de ser. Já não há paciência para ler mais posts sobre o lisboetês.
Talvez seja de mim, que gosto de sotaques.

Adenda: O lapso foi emendado e este post deixou de fazer sentido. Assim sendo, recomenda-se vivamente um passeio retemperador até Mortlake Terrace, que fica um pouco mais acima.

Iberismo

Somos o terceiro país da UE a alimentar a imigração em Espanha. E ainda dizem que os portugueses não têm visão estratégica...