quarta-feira, dezembro 31, 2003

Há crimes e crimes

Por oposição aos sentimentos em relação à criminalidade violenta, encontramos os sentimentos em relação à criminalidade fiscal. É sintomática a incapacidade de tomar medidas sérias de combate ao crime e à evasão fiscal. É sintomático o número de infractores e a sua aparente impunidade, que chega a roçar a gabarolice. É sintomático que muitos de nós já se tenham cruzado pessoalmente com casos de crime, fraude e evasão. É sintomática a tolerância perante estes comportamentos.

Sentimentos de insegurança

No editorial do DN de hoje, aborda-se o sentimento de insegurança da população. Embora o editorial se concentre mais na autoridade das forças de segurança, para compreender os sentimentos de insegurança associados à criminalidade não se pode menosprezar outros aspectos. Nomeadamente, tal como é referido, a exposição dos cidadãos à criminalidade. Mas também o factor de identificação com a vítima ou com a situação.
De uma forma geral, seremos todos sensíveis a actos de natureza violenta, como, por exemplo, os homicídios ou as violações. Essa sensibilidade será tanto maior quanto a proximidade com a vítima. Se a vítima for um familiar ou um amigo, estaremos, certamente, perante uma tragédia. Mas se o mesmo acontecer com um perfeito desconhecido, já estaremos, provavelmente, menos sensíveis ao dramatismo do acontecimento. Da mesma forma, se o acto violento se der numa circunstância que nos seja familiar (num local que frequentamos ou durante uma actividade que também desempenhamos) teremos, naturalmente, uma maior identificação emocional com o acontecimento. Exemplificando, de cada vez que é noticiado que um árbitro foi agredido num estádio, a maior parte de nós pode indignar-se com tamanha demonstração de selvajaria, mas não se preocupará muito mais do que o tempo de duração da notícia. Os restantes árbitros já não pensarão exactamente assim...

terça-feira, dezembro 30, 2003

Afinal há outros

No dia em que o processo Casa Pia volta a encher as páginas dos jornais, em que vamos voltar a saber que Ferro Rodrigues é um mau líder, que o PS está de mãos atadas, que a oposição está entregue à extrema-esquerda, lembremos também outras notícias, com outros protagonistas.

Estragam-me com mimos

Deram-me um prémio! Muito obrigado ao Nuno P. e à sua Janela para o Rio.

Mudar a mentalidade dos condutores

Nestes dias que passaram, mais alguns portugueses perderam a vida na estrada. Como acontece durante todo o ano, aproximadamente a uma média de quatro mortes por dia. Mudar estas tristes estatísticas passa por muitos aspectos. Passa por medidas que cabem em primeiro lugar às entidades competentes.
Mas existem medidas que dependem sobretudo dos condutores. Mudar a mentalidade dos condutores tem de ser uma prioridade no combate à sinistralidade. Por muito boas que sejam as normas, se não forem respeitadas não resultam em qualquer melhoria.
O desrespeito compulsivo pelas regras elementares de circulação nas estradas tem vários factores explicativos. Reunidos sob a capa mais ou menos obscura da falta de civismo, podemos encontrar, entre outros, o excesso de velocidade, as manobras perigosas, a falta de atenção, o mau cálculo dos riscos.
Uma boa parte destes factores está relacionada com a incapacidade para perceber e interiorizar o outro. Mais do que uma interiorização ineficaz das regras, o que está aqui em causa é uma interiorização ineficaz do outro. É a incapacidade para pensar, simultaneamente, o próprio comportamento e o comportamento de terceiros, numa relação de interdependência. Apesar de só muito raramente se registarem situações de interacção face-a-face durante a condução, a acção de um condutor tem repercussões nas acções subsequentes de muitos outros. É sobretudo a incapacidade de ter esta ideia presente durante a maior parte do período de condução que caracteriza a incapacidade de pensar o outro. Sejamos claros, a esmagadora maioria dos condutores será capaz de reconhecer esta interdependência, quando questionados sobre isso. Mas transportá-la para a estrada, como manifestação concreta e palpável dessa abstracção que é pensar o outro, é uma coisa muito diferente.
Esta característica, que julgo dominante na condução, tem uma outra vertente igualmente nefasta. A incapacidade de pensar o outro reflecte-se também na incapacidade de pensar os papéis sociais a desempenhar por cada um de nós nas diversas situações do quotidiano. Enquadrando este fenómeno na condução, resulta que, mesmo quando o condutor pensa o seu comportamento e o comportamento de terceiros, muito provavelmente, não será capaz de os perceber. Ou seja, o condutor não assume o papel que deve assumir enquanto condutor, trocando-o por outro papel qualquer que passa a desempenhar ao volante, nem percebe o papel que os outros estão a assumir.

A mudança de mentalidade começa em cada um de nós. Passa pelo respeito pelas regras. Mas passa também, e este aspecto é muito importante, pela sanção social negativa ao desrespeito pelas regras. Há uns anos conheci um sueco que se encontrava a trabalhar em Portugal. Nas várias conversas que tivemos, algumas foram sobre as diferenças de comportamento ao volante entre suecos e portugueses. Dizia-me ele que era impensável que algum dos seus amigos dissesse que tinha demorado somente X horas em determinado percurso de auto-estrada. Se existe uma velocidade máxima estipulada, o tempo de viagem, salvo demoras imprevistas, é sempre sensivelmente o mesmo. Simplesmente não é tema de conversa.
Se alguns de nós fossem juntando ao respeito pelas regras a manifestação pública de desagrado com o desrespeito das mesmas, estaríamos já a dar passos importantes para alterar a mentalidade e, consequentemente, o comportamento dos condutores portugueses.

terça-feira, dezembro 23, 2003

Boas Festas

O Viva Espanha deseja-lhe um Feliz Natal.



Paul Fischer, The Christmas Rush

sexta-feira, dezembro 19, 2003

Parar, pensar, mudar

ou: longo post metabloguístico
ou ainda: por que estive mais de uma semana sem escrever?

A semana passada obriguei-me a um intervalo no Viva Espanha. Mais ou menos de repente, dei por mim com grandes dúvidas existenciais sobre o blogue. Duas questões me assaltaram. Qual o lugar do blogue na blogosfera? Que lugar ocupa o blogue na minha vida pessoal?
Quem visitar frequentemente o Viva Espanha repara, com certeza, que raramente escrevo aos fins-de-semana. Sempre guardei os fins-de-semana para mim e para os meus. Não foi por ter um blogue que me apeteceu mudar este registo. Apesar de quase nunca postar aos fins-de-semana, sempre fui arranjando uns tempinhos para ir actualizando as leituras dos outros blogues. O que também ocupa tempo. Muito tempo.
O tempo que os blogues ocupam é um tempo egoísta. É um tempo só nosso e que dificilmente se partilha. Pode-se recomendar a leitura de um post ou de um blogue como se recomenda um livro, mas ninguém lê livros em conjunto. Lê-se sozinho. Da mesma forma, também a escrita de um post é um acto muito íntimo. Paradoxalmente íntimo, é certo, porque se trata de um pedaço de nós que se partilha, mas que não se quer desnudado antes de ser dado por finalizado. É-me totalmente impossível escrever na iminência de que alguém assome por cima do meu ombro a perscrutar as palavras, as frases, as ideias.
No fim-de-semana que antecedeu o interregno, constatei que o blogue já ocupava muito mais tempo do que aquele que eu lhe tinha destinado inicialmente. Obviamente, roubava tempo a outras coisas e a outras pessoas. Uma situação destas não me agradava. Gosto muito deste meio. Gosto do meu blogue, mesmo com todas as limitações que lhe reconheço. Mas um dos meus ideais de vida é que entre uma pessoa e outra coisa qualquer, a pessoa vem primeiro. Nesse fim-de-semana o Viva Espanha sobrepôs-se a algumas pessoas. Com isso causou algum sofrimento. Não foi para isto que criei o blogue. Não podia pactuar com esta situação. Sobrava-me, ao menos, a certeza de que sendo o principal responsável, tinha, no mínimo, a hipótese de pedir desculpa e reparar os meus erros. Restava-me também a oportunidade de aprender um pouco com a experiência. Nasceu assim o intervalo.
A questão do lugar do Viva Espanha na blogosfera está relacionada, em parte, com tudo o que acabei de dizer. Foi, de certa forma, esta primeira preocupação que despoletou os comportamentos que culminaram nos problemas descritos. A certa altura, estava demasiado preocupado com a agenda, com o ritmo e com o rumo do blogue. A interactividade blogosférica é um pau de dois bicos. Se por um lado enriquece o espaço de intervenção, por outro vai exigindo cada vez mais tempo. Estar inserido num meio tão dinâmico, acompanhando os temas da actualidade, tem o que quê de gratificante. No entanto, facilmente evolui para uma situação desgastante e até desconfortável.
Sem estar a querer negligenciar os que visitam este espaço, que me merecem todo o respeito e gratidão, sempre assumi que o blogue deve agradar em primeiro lugar ao seu autor. Se assim não for, este espaço não tem sentido. Por isso, impunha-se um período de reflexão para pôr as ideias em ordem.
Penso que nos devemos esforçar por observar a realidade a partir de diferentes ângulos para a compreendermos melhor. Penso também que as más experiências servem, pelo menos, para aprendermos algo com elas. Esta serviu para me esclarecer sobre o lugar que o blogue deve ocupar. Então qual é o seu lugar na minha vida pessoal? Vem depois de todos e de tudo o que é realmente importante. E na blogosfera? Estou-me a borrifar para o lugar do blogue na blogosfera. É assim que deve ser. Acho que aprendi a lição.

Drake e Tamara

Foi em Junho que conhecemos Drake e Tamara, nessa semana que passámos em Havana. Tu interessaste-te pelos quadros que pintavam e expunham na sua improvisada galeria, de frente para a baía. Entrámos e conversámos com eles. Explicaram-nos os seus quadros, falámos sobre pintura, a cubana e não só. Prometemos voltar. Voltámos. Tu compraste um quadro a Drake (Ensueño, chamou-lhe ele). Drake escreveu-te uma dedicatória e tu pagaste sem regatear o preço. Convidaram-nos para comer com eles. Passeámos juntos por Havana Velha até um qualquer restaurante. Conversámos mais. Conversámos muito. Sobre Cuba, sobre Portugal, sobre o fim do campo socialista, sobre roupa, sobre tudo... Acompanhámo-los nos refrescos que tomaram. Passámos assim uma tarde, até eles decidirem voltar aos seus quadros. Insistiram em pagar a despesa sozinhos. Nesse momento, no preciso momento em que recusaram dividir a despesa, nesse momento em que percebemos que não poderíamos fazer a desfeita de retirar-lhes esse pequeno prazer, nesse momento soubemos que tínhamos ganho dois amigos. Assim mesmo. Numa tarde, sentados a uma mesa, num qualquer restaurante de Havana Velha.

quarta-feira, dezembro 17, 2003

Imigração II

No Murmúrios do Silêncio, referindo-se à sodagem sobre a imigração, Tiago Ribeiro explica em poucas palavras como as perguntas fazem as respostas. Este é um aspecto fundamental a ter em conta na análise dos resultados.

Um passo à frente, outro atrás

Em relação ao recuo posterior do PSD, há, pelo menos, duas leituras a fazer. Ou houve precipitação de alguns sectores sociais-democratas, ou parece claro que terá havido pressão do PP para deixar as coisas como estão. Se assim tiver sido, mais uma vez, o PP demonstra a influência que tem nesta coligação. Recordemos, como já alguém salientou, que este é o partido em que 92% dos portugueses não votaram.

Pragmatismo q.b.

A descriminalização do aborto é um passo no sentido certo. Tenho aqui vindo a defender que só a despenalização pode criar as condições para atenuar (pouco) o sofrimento e (muito) as más condições de saúde que caracterizam esta prática. A posição inicial do PSD era um passo nesse sentido. Por mim, estava inteiramente disposto a aceitar este pequeno avanço, embora defenda medidas mais abrangentes. Seria uma solução que não satisfaria plenamente nenhuma das partes, mas que representaria um sinal de pragmatismo. No entanto, um pragmatismo bem diferente da aceitação da proposta de Vasco Rato, contra a qual me pronunciei por considerar que só traria vantagens a uma minoria da população.

terça-feira, dezembro 16, 2003

Imigração

A Janela para o Rio lança o tema da xenofobia para debate blogosférico. Já ontem, no seguimento da sondagem da Universidade Católica que um dos noticiários anunciou, me tinha parecido que este era um tema a merecer um post.
Antes de entrar em considerações sobre a xenofobia e o racismo em Portugal, parece-me indicado esclarecer a minha posição sobre a imigração.
O recente fenómeno da imigração tem suscitado debates controversos. Não é pouco comum encontrar uma linha de pensamento resistente à imigração. Geralmente, esta resistência à imigração apoia-se no argumento abstracto de que Portugal não tem condições para suportar mais imigrantes. A meu ver, este argumento é extremamente falacioso. Evidentemente, deve existir uma política de imigração. Evidentemente, não se deve deixar transparecer a ideia de que Portugal é um paraíso para a imigração ilegal e para as máfias que a exploram. No entanto, não se deve confundir política de imigração com ausência de imigração. Como refere o NunoP. no Janela para o Rio, os imigrantes que têm chegado a Portugal são sobretudo aproveitados para trabalhos desqualificados, quer estejam em situação legal ou ilegal. Pode ser verdade que já não haja muitos portugueses a querer fazer esse tipo de trabalhos. Ainda que assim seja, não se deve desprezar, de forma nenhuma, as responsabilidades das entidades empregadoras e fiscalizadoras nestas situações. O imigrante é uma vítima fácil dos oportunistas sem escrúpulos que recheiam o tecido empresarial português; é uma vítima da burocracia estatal que transforma qualquer contacto com o SEF numa provação; duplamente debilitado, é uma vítima das máfias que se aproveitam de todas as desvantagens por eles acumuladas. O problema das condições de recepção dos imigrantes é um falso problema. É colocar a tónica na sílaba errada. Não se trata de não haver condições de recepção de mais imigrantes. Trata-se de não haver disponibilidade política de criar essas condições.
Na realidade, por várias razões, Portugal tem muita necessidade de mão-de-obra estrangeira. Primeiro, porque é uma óptima forma de combater o envelhecimento da população. Segundo, porque introduzem variedade cultural, ajudando a fazer de Portugal um país cosmopolita, que, apesar de julgar ser, nunca foi. Terceiro, porque, de facto, há trabalhos que não são apelativos para a realidade social, económica e cultural dos portugueses, mas que podem ser desempenhados por pessoas à procura de um novo início de vida e que, por muito pouco que ganhem, sempre vão conseguindo um salário muito superior ao que aufeririam no seu país de origem por trabalhos muito mais qualificados. Quarto, porque uma parte significativa da imigração actual, especialmente a proveniente do leste, caracteriza-se por ter, em muitos casos, habilitações ao nível do ensino superior e pode trazer uma mais valia de competências e formas de trabalho, caso seja aproveitada nas profissões que melhor sabe desempenhar.
Por último, uma consideração sobre a vontade de alterar o estado das coisas. Sou muito crítico da vontade política no campo da imigração. É sempre mais fácil, muito mais fácil, fazer um discurso contra a imigração, ainda que travestido na tradicional falta de condições, do que encetar qualquer coisa que se pareça remotamente com alguma medida estrutural para alterar essas condições. Até porque esta argumentação, aliada à inoperância, não contribuem em nada para diminuir a imigração como é, pretensamente, o objectivo dos seus autores. Digo pretensamente porque quem faz este discurso sabe que só com uma acção eficaz ao nível do combate às máfias, às empresas que exploram o trabalho ilegal, às empresas que não pagam salários, nem IRS, nem IRC, nem IVA, nem Segurança Social, nem... se podem obter resultados. Não só neste campo como noutros. E, como se sabe, combater este tipo de crimes não é a nossa especialidade, nem parece haver vontade de que venha a ser.
De resto, a ausência de condições para receber imigrantes é só mais uma gota no mar imenso de ausências de condições em Portugal.

segunda-feira, dezembro 15, 2003

Uma explicação

Ainda esta semana pretendo postar as razões deste intervalo.

Um insulto

Entre outras coisas, a semana passada acompanhei um familiar ao Hospital de Santa Maria. A tabela dos tempos de espera para atendimento, que eu já conhecia do trágico artigo do Público, não anunciava tempo de espera algum para a triagem. Não anunciava, mas foram quase duas horas até que alguém avaliasse sumariamente o estado de saúde da pessoa que acompanhei. Hoje dizia-me uma amiga: 'se fosse para morrer tinha lá ficado, não é?'. Pois é, felizmente não era. Mas podia ter sido. A tabela dos tempos de espera para atendimento nas urgências de Santa Maria é um insulto a todos os que por lá passam.

De regresso

Reabri a actividade. Os posts vão regressar.

quarta-feira, dezembro 10, 2003

Intervalo

O Viva Espanha regressa aos posts a partir da próxima semana.

sexta-feira, dezembro 05, 2003

Morte lenta

Vale a pena ler o editorial e os artigos do Público de hoje dedicados às doenças infecto-contagiosas no meio prisional.

Repto

Aproveitando o post 1225 do Bloguitica, gostava de saber qual é a opinião do Paulo Gorjão sobre os mandatos da coligação PS-PCP na CML. E, já agora, não seriam totalmente diferentes as coligações PS-PCP e PS-BE? Porquê a inevitabilidade do desastre? É o PS que se está a aproximar do BE ou é o BE que se está a colar ao PS? Se o Paulo Gorjão estiver para aí virado, gostava de esclarecer aqui umas coisinhas...

Angola

Os mercados de Angola no Planeta Reboque.

Obrigado

Um agradecimento muito sincero à Rita, do blogue Pensativa, por me incluir nesta lista e pelas suas palavras mais que simpáticas.

SIDA e toxicodependência

Escreve o Acanto que medidas como a troca de seringas e as salas de injecção assistida não resolvem o problema da exclusão social. Tem toda a razão. Mas também não foi nessa óptica que eu falei nelas. A troca de seringas e as salas de injecção assistida devem servir, antes do mais, para ajudar a prevenir a transmissão de doenças e para proporcionar, dentro das limitações que o próprio contexto de dependência impõe, condições mínimas de saúde.
De resto, parece-me que o Acanto toca num ponto muito sensível e a merecer muita atenção. Neste caso de exclusão social, como noutros, a intervenção de organizações e a aplicação de determinadas medidas de apoio pode ter como consequência não desejada o prolongar da situação. Não é fácil identificar a fina linha que separa o apoio que deve ser obrigatoriamente prestado da perpetuação das situações de exclusão. Um tema a merecer reflexões mais aprofundadas.

quinta-feira, dezembro 04, 2003

Economia vs Educação

Pacheco Pereira, no seu artigo sobre o fim do QCA III, aponta a economia como solução para o atraso de Portugal. JPP engana-se e confunde um indicador com uma medida de transformação. Quando a economia for pujante sabemos que trilhamos o bom caminho. Mas, tal como JPP reconhece, se temos sérios problemas de organização, de trabalho, de produtividade, de competitividade, de excelência, se temos dificuldade em pôr em prática planos eficazes e aproveitar oportunidades de ouro, o que nos falta é transformar esta incapacidade. Essa transformação só poderá advir de um investimento sério e comprometido na educação e na formação. Só assim dotaremos a população das competências necessárias para identificar oportunidades, medir riscos, traçar e executar planos. Só assim teremos não só trabalhadores qualificados como também um tecido empresarial que saiba investir e reinvestir os lucros gerados pelo aumento da produtividade. Esta é a medida transformadora. A economia, entendida como produção e distribuição de riqueza, é um mero indicador para aferir se estamos a ter sucesso na transformação ou não.

SIDA e prevenção (II)

Em relação à questão da prevenção da SIDA na toxicodependência, e no seguimento do post anterior, o caso é complexo, como muito bem diz o Acanto. O que acontece é que, antes de se assumir se estamos perante um crime ou uma doença, devemos perceber que estamos perante um comportamento. Um comportamento altamente lesivo da saúde física, psicológica e social do consumidor, mas, de qualquer forma, um comportamento. E os comportamentos só se alteram quando o envolvido está realmente decidido a fazê-lo. Por isso, por muito conveniente pudesse ser, não faz sentido impor tratamentos ou condutas aos toxicodependentes. Obviamente, mais uma vez, isto não significa que não se avance com soluções que tanto devem ser de resposta imediata como de planificação estratégica. Nas primeiras, que serão, para já, o único alvo de atenção, devem-se incluir medidas de apoio aos toxicodependentes, nomeadamente na disponibilização de estruturas que ajudem a atenuar a situação de exclusão social em que se encontram. Devem também ser disponibilizadas estruturas que permitam ao toxicodependente, enquanto durar a sua dependência, usufruir das condições de higiene e saúde a que tem direito como qualquer ser humano. Dentro destas condições devem estar previstas medidas de combate à propagação da SIDA e de outras doenças, que passam também pela troca de seringas e que poderão passar pelas salas de injecção assistida. Para mais, é dentro de estruturas de contacto directo e apoio aos toxicodependentes que se pode esperar maior sucesso na identificação do momento certo do corte com a dependência. Quem tem, ou já teve, alguma forma de contacto com este fenómeno sabe, como já disse, que não se ataca a dependência à revelia do dependente.

SIDA e prevenção (I)

O Acanto publicou um post sobre a prevenção da SIDA, centrando-se em dois aspectos: a sexualidade e a toxicodependência.
Em relação à sexualidade, o Acanto acusa determinadas organizações de culparem a Igreja Católica do estado actual das coisas. Não sei se a IC é realmente a principal responsável por este estado, mas penso que existem pessoas dentro do clero que não poderão ficar isentas de alguma responsabilidade. Sobretudo, aqueles que, alimentando tão acesa contestação ao uso do preservativo, se esquecem das realidades concretas em que muitos dos seus ouvintes vivem. Ao não levarem este factor em linha de conta estão a contribuir directamente para o aumento do flagelo.
Esta perspectiva reinante em determinados círculos sociais parte de uma noção de sexualidade que julgo desenquadrada da realidade. A sexualidade, nos dias de hoje, tem de ser encarada como um comportamento dissociado das dimensões amorosa e reprodutiva. Não quero com isto dizer que o amor e o desejo de criar família estejam totalmente separados da experiência sexual. O que deve ser entendido é que a sexualidade, o amor e a família não estão sempre juntos, como, se calhar, nunca estiveram. Há pessoas que não fazem a dissociação entre as duas ou as três dimensões referidas. Para elas, a sexualidade é, por exemplo, uma forma de expressão do amor. Mas haverá outras para quem o sexo, o amor e a família não têm de estar forçosamente relacionados. E é pensando nesta realidade que o discurso idealista se mostra desadequado. Qualquer pessoa tem direito a viver a sua sexualidade da forma que lhe apetecer; e tem o direito de fazê-lo defendendo-se e defendendo outros das doenças sexualmente transmissíveis; e sem ter de estar sujeito a juízos de valor sobre a sua conduta. Só porque não partilhamos os estilos de vida, não temos de tentar converter os outros ao nosso.
Mesmo aceitando a hipótese de distribuição de infectados como a sugere o Acanto, não se pode negar que a influência da visão católica em diversos sectores da sociedade que não necessariamente limitados aos católicos praticantes. Através da sua vontade de impor a hegemonia dos seus conceitos de sexualidade e prevenção, o que se nota nas pressões sociais exercidas, o alcance destas concepções é muito mais vasto que a comunidade católica praticante.
Estou de acordo que o combate à SIDA, idealmente, deve passar pelo esclarecimento, pela sensibilização e pela educação. Mas, enquanto não passa, não se pode cruzar os braços ou invocar situações ideais que não correspondem de todo à realidade. É sobretudo contra estas perspectivas que me insurjo e não contra a Igreja Católica como um todo ou contra os seus crentes.

quarta-feira, dezembro 03, 2003

Se bem me lembro, era assim...

...um corpo atrai outro na razão directa das suas massas e na razão inversa do quadrado da sua distância.

A fusão PSD - PP

Haverá certamente defensores desta fusão partidária. Não me parece é que Paulo Portas seja um deles. Portas nunca conseguiria ser líder do que quer que seja onde o PSD esteja envolvido. Não enquanto existirem sociais-democratas que se lembrem do que Paulo Portas fez ao Cavaquismo. A lista de inimigos que Portas tem dentro do PSD nunca o deixaria chefiar os destinos do partido.
Julgo, embora não esteja familiarizado com a militância social-democrata, que a pessoa que mais se aproxima do registo liberal-populista de Portas, se bem que, pelo menos exteriormente, mais moderado, será Pedro Santana Lopes. E PSL não é o aliado ideal para ajudar à concretização dessa fusão por duas razões. Em primeiro lugar, porque PSL também não reúne consenso no seu próprio partido. A popularidade que detém junto do eleitorado é capaz de ser maior do que aquela que detém no PSD. Apesar das tentativas, os congressistas do PSD nunca lhe confiaram a liderança partidária e lá saberão porquê. Em segundo lugar, precisamente porque PSL almeja a liderança do PSD. Nem PSL nem Paulo Portas têm perfil para ser número dois. Já o demonstraram muito bem e muitas vezes. PSL nas suas candidaturas à liderança do PSD e na sua indisfarçável sede de protagonismo. Paulo Portas na forma como ultrapassou Manuel Monteiro e na sua indisfarçável sede de protagonismo.
Provavelmente o problema passará por aí. São demasiado parecidos.

Durão e Santana

O Bloguitica avançou uma análise às preferências de Durão Barroso para as presidenciais. Não tenho grandes objecções às ideias que expressa sobre as hipotéticas preferências de Durão Barroso. No entanto, parece-me que essa preferência, a passar realmente por PSL, não terá como motivação somente um jogo de poder pela notoriedade, mas também, sobretudo, uma excelente forma de manter PSL ocupado durante uns tempos. Conhecendo o arrivismo político de PSL e a sua preferência por lugares de grande notoriedade, não será difícil concluir que a sua verdadeira ambição é o governo e não a presidência. Ao ‘empurrar’ PSL para a presidência, Durão Barroso garante menos um adversário na luta interna pela liderança do partido. Este cenário parece-me tanto mais razoável quanto pior for a popularidade do actual governo.
Se as prestações eleitorais do PSD não forem famosas e começarem a abrir a porta a uma possível mudança nas legislativas, Durão Barroso poderá ver a sua liderança posta em causa não só pela oposição, mas também no interior do seu partido. E ninguém melhor para assumir a ‘tarefa ingrata’ de mostrar a porta de saída ao líder do que PSL. Por estas razões e mais algumas, Durão preferirá ver PSL na luta pelas presidenciais do que livre para lutar pela liderança do PSD. Mas certamente, quer seja numa frente quer seja na outra, Durão Barroso deve acalentar a esperança de ver PSL falhar.
Sobre a hipótese de ver António Guterres no lugar de Sampaio também muito há para dizer. Só como provocação, quem acha que a presidência de Sampaio tem sido apática que espere pela de Guterres. Bem entendido, mesmo assim, prefiro a picareta de Guterres ao bolo-rei de Cavaco. Matéria para outros posts, claro.

terça-feira, dezembro 02, 2003

A Grande Reportagem

O Cidadão Livre trocou o Público pelo JN para poder ler a Grande Reportagem. Eu preferi o DN. Pasquim por pasquim... O que eu gostava de saber era a opinião do Cidadão Livre, e de outros leitores da GR, sobre o que fizeram à revista. Já tinha um post preparado há umas semanas sobre esta mudança. E já idealizei outro depois de ver os resultados. Nenhum é simpático. Se calhar ainda não ganhei distanciamento suficiente para fazer uma análise fria. Além disso, também não será justo opinar sobre o assunto apenas com um exemplar da nova GR na mão. Talvez para a semana já me sinta capaz de acrescentar mais alguma coisa.

O mundo está tão seguro...

...que vamos desenvolver mais umas armas novinhas em folha para celebrar tanta segurança.